Felicidade no abismo

Textão Alvinegro
4 min readApr 15, 2023

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Começou a Série B 2023. Depois de 5 anos de alegria e raiva na prateleira de cima, o Ceará voltou à segundona. E a estreia não foi nada animadora. Melhor do que falar do jogo em si, é preferível dar uma volta.

Começamos o ano chateados e desconfiados, como há de ser depois de um rebaixamento. Mas, de forma até surpreendente, as coisas ganharam um rumo. Boas vitórias apareceram, alguns jogadores se destacaram, uma âncora se desprendeu da presidência do clube e pareceu possível sonhar com a felicidade. Não a felicidade completa e arrebatadora. Mas a felicidade possível.

Foto: Felipe Santos / Ceará SC

“Ser o que se pode é a felicidade. […] Não adianta sonhar com o que é feito apenas de fantasia e querer aspirar ao impossível. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser.”

Vencemos clássicos, fomos eliminados nos pênaltis mais uma vez, perdemos o Estadual com um roteiro cruel e estamos esperando uma final de Copa do Nordeste. E nisso chegou o dia de começar o périplo da Série B: no interior de São Paulo, numa sexta-feira à noite, em um estádio quase vazio, contra o Ituano. Uma experiência completa para nos fazer de novo sentir a queda. Olhamos para o abismo, e o abismo nos olhou de volta. O buraco é fundo e o caminho até a beira é longo. Porque falar em cair para a Série B não é apenas uma metáfora. Há uma queda completa em pretensões, finanças, alegria…

“A alegria era sempre uma pressa. E a alegria já era quase nada.”

A derrota tosca por 2x0 contra o Ituano nos deixou agarrados a meros fiapos de alegria, olhando ressabiados para a final contra o Sport. E não pode ser assim. Não deve ser assim. Nem o tom desse texto deveria ser assim. Não estou falando de buscar ser feliz como aceitação da mediocridade, como vimos em Itu.

Os felizes, se eram os que aceitavam ser o que podiam, haviam de ao menos aceder à estabilidade, saber com o que contar, ter as contas feitas acerca dos afetos e das expectativas.”

É preciso acertar as contas com as expectativas. E todas as expectativas do Ceará na Série B resumem-se em uma palavra: protagonismo. Estamos em todas as listas de favoritos ao acesso. Pelo orçamento, pelo elenco, pelo treinador, pelos outros times da tabela. Somos obrigados a conviver com essa expectativa. E a felicidade pelas próximas 37 rodadas exige que esse protagonismo seja compreendido por diretoria, comissão técnica e elenco. Isso já foi compreendido pela torcida.

O discurso de que a Série B é difícil (e de fato é) não acalmará ninguém. Todos já sabiam. Ainda mais com punições que vão impactar diretamente no fator casa. É preciso termos mais a indignação que vimos na entrevista de Guilherme Castilho, o senso de urgência pra buscar o resultado que vimos no jogo de Erick Pulga. É preciso agir como um dos times a serem batidos e é preciso saber jogar como tal. Ou a campanha será catastrófica. Não subir em 2023 seria uma tragédia. Mas escolho não morrer agora.

“Por instinto, queria ainda sobreviver, nem que fosse apenas para morrer mais tarde.”

Faltam peças no elenco, que já deveriam ter chegado. Com urgência, precisamos, ao menos, de mais um centroavante e mais um volante com bom passe, capazes de disputar posição ou mesmo assumir a titularidade. As notícias até o momento dão conta de que vão buscar. Antes tarde que ainda mais tarde. Cabe, e muito, a cobrança. Faltam apenas 5 dias para o encerramento da primeira janela de transferências. O conservadorismo extremo e paralisante em contratações nos levou ao buraco.

Mas, como já larguei no twitter ainda de cabeça quente, sigo achando com a cabeça fria que o que faltou na estreia foi menos elenco e mais visão do treinador. Morínigo pareceu achar ok se o começo fosse esse ao escalar Hygor e Barcelos. Praticamente só tivemos 30 minutos de uma formação que buscou o resultado. Aí não deu.

E deixo uma pergunta: existe algum torcedor que não defenda a titularidade de David Ricardo e Willian Formiga? Ainda não conheci nenhum.

Sigo acreditando que vai dar certo. Há motivos para isso. Na quarta-feira, poderemos ter um vislumbre do que podemos num palco grande, que pode ajudar todos a voltarem à rotação alta que vimos esse time ser capaz de exercer. Claro, quero ser feliz já na próxima semana, mas o fundamental é que possamos, ao fim de 38 rodadas, sermos os felizes.

“A felicidade podia definir-se assim. O bastante.”

Toda as citações desse texto são do livro O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe.

Paulo Araújo
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Foto: Felipe Santos / Ceará SC

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Textão Alvinegro

Paulo Araújo. Torcedor do Ceará que começou a escrever durante a abstinência do estádio.